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  • Foto do escritorMateus Davi Pinto Lucio

A bolsa caiu... e daí?

Atualizado: 25 de ago. de 2018



Não sem preocupação as pessoas são tomadas de assalto ao assistir o Jornal Nacional quando da notícia de que a bolsa fechou no vermelho, informação esta que vem geralmente precedida de uma frase do tipo “dia de nervosismo na bolsa de valores”, “cautela assola os

investidores”, “realização de lucros”, e por aí vai...


Antes de entrar no mérito da acurácia dessas opiniões, devemos ter em mente que os preços dos ativos no mercado de capitais são, antes de mais nada, reflexos, resultados, da realidade. Em outras palavras, poder-se-ia dizer, em termos gerais, que a bolsa pode ter caído porque a economia está mal, e não a economia está mal porque a bolsa caiu.


Bem certo que há o fator especulativo, porém, a especulação age como um catalisador de uma percepção geral das coisas. Hipoteticamente, se o balanço de uma determinada empresa vem abaixo da expectativa, e, no caso, seria razoável uma queda de 2%, por causa da especulação é natural que ocorra uma queda de 2,5% ou 3% naquele dia, porém, pela própria natureza da especulação, isto é, uma operação com entrada e saída no curtíssimo prazo, coisa de dias, esse “exagero” propiciado pela própria especulação tende a

ser compensado nos dias seguintes, muitas vezes até no mesmo dia.


Dito isto, salientamos que a variação no preço é efeito da variação da realidade das empresas e dos mercados em geral. Como um termômetro, se “desabou” alguns centígrados a causa é o tempo, a queda de temperatura, e não do termômetro. O clima não esfria porque o termômetro caiu, mas o termômetro cai porque o tempo esfriou.


Consequências da queda dos preços


Entendendo que a variação nos preços é consequência das mudanças na conjectura econômica, fica a questão de que diferença faz em termos de consequência a variação dos

preços em si.


Note, antes, a razão de uma empresa emitir ações em bolsa em primeiro lugar. Se uma empresa precisa de mais capital para poder investir em maquinário ou ampliação do setor produtivo, ela pode (a) pedir dinheiro aos bancos, pagando juros sobre eles ou (b) vender parte da empresa (na forma de ações) e em vez de pagar juros aos bancos, dividir os lucros

com seus futuros acionistas.


Considere este exercício mental. Você tem uma padaria que vale 100 mil reais, e precisa de 10 mil para investir em outro forno. Dependendo do seu lucro mensal e dos juros que o banco cobraria, pode ser que valha mais a pena vender uma parte de sua padaria, transformando-a numa sociedade, do que assumir uma dívida. Não por acaso, as empresas que são listadas em bolsa, via de regra, tem lucros anuais pífios. A Vale do Rio Doce, na data de hoje, custa no mercado R$ 313,7 bilhões, e seu lucro acumulado nos últimos 12 meses foi de R$ 14,85 bilhões, ou seja, o rendimento, de fato, da empresa é de tímidos 4,73% ao ano. Como nenhum banco emprestaria dinheiro, nem mesmo para a Vale, sob um juro anual tão baixo, na há dúvida que vale mais a pena para a empresa vender fatias dela na bolsa, mantendo ainda o controle acionário e dividindo os riscos do negócio. A única esperança do investidor é que a empresa cresça, pois o retorno dela, a rigor, é muito pouco.


E eis o “x” da questão quando o preços das empresas listadas em bolsa cai: se deteriora sua capacidade de se financiar, pois como suas ações passaram a valer menos, caso precisem de capital, terão que vender maiores quantidades de ações para obter o mesmo dinheiro necessário, ou recorrer aos bancos, sob juros pouco atraentes. Alternativamente

teríamos as debêntures, mas isso é assunto para outro artigo.


Fora isso, para as pessoas comuns, a variação dos preços na bolsa é tão importante quanto as mudanças climáticas cotidianas. Mesmo as variações no câmbio, seja para cima ou para baixo, ou estará colaborando para as exportações ou para as importações. Excetuando o turismo internacional, há uma grande tolerância na realidade do cidadão comum em relação as variações nos preços, mesmo quando grandes e prolongadas.


E quanto ao Jornal Nacional


Bom, como prometido, dissertaremos agora sobre o estranho dissabor com que os repórteres televisivos falam das quedas eventuais nas bolsas de valores.

Primeiro, não é porque os preços caíram que os investidores estão tendo prejuízos, sob cautela ou em pânico. De modo algum, as grandes fortunas se alocam e realocam de uma empresa para outra, em um país ou em outro, conforme a maré vai favorecendo um ou outro. Sem saber quando e por qual preço determinado player comprou algum ativo não se pode dizer que está tendo prejuízo só porque vendeu durante a queda, pois ele pode ter comprado por um preço muito abaixo há muito tempo atrás, e, não obstante, pode estar vendendo agora para comprar mais barato ainda quando o mercado dar sinais de recuperação.


Segundo, os preços podem estar caindo e os investidores estarem contentes, e ganhando, com a própria queda. No mercado é possível operar vendido. Você vende uma ação mesmo sem tê-la, sob a promessa de recompra antes do final do dia, ou cobrindo com ações alugadas (você aluga uma ação, vende, compra depois que cair, e devolve ao locador). Há inúmeras possibilidades, que exigiriam artigos diferentes para cada uma, também no mercado de derivativos (vendendo uma opção de compra de ações ou comprando uma opção de venda de ações), além do Mercado a Termo e do Mercado Futuro. Não esquecendo, ainda, o exemplo mais simples, se o mercado está caindo você pode ganhar comprando e ganhando na alta do dólar, do ouro ou de outra commodity.


Mas o que estamos tentando dizer é: se o mercado está caindo, não significa que os investidores, em geral, estão perdendo dinheiro, mas pode ser que agora é que estão ganhando mais dinheiro ainda. No jargão dos operadores, gosta-se de dizer que “o mercado sobe de escada e desce de elevador”, ou seja, via de regra, é muito mais fácil de se ganhar dinheiro em mercados quedistas (bearish). Tudo indica que o pessoal do Jornal Nacional

precisa se informar um pouco melhor sobre o mercado financeiro.


Terceiro, parafraseando os turistas que vão para Las Vegas, “o que acontece na bolsa, fica bolsa”, literalmente. Note, as ações preferenciais do Itaú Unibanco tiveram um volume de negócios, somadas as compras e vendas, de pouco mais de R$ 10 bilhões, porém, o banco tem mais de R$ 308 bilhões em ações deste mesmo tipo. Isso significa que de tudo o que aconteceu com as ações preferenciais do Itaú Unibanco no dia de hoje, as altas e quedas, tudo, foi resultado das transações de nem mesmo 4% das ações. Em outras palavras, os detentores de 96% das ações da empresa não ligaram a mínima para tudo o que aconteceu ou deixou de acontecer no mercado noticiário que pode ou não, mais ou menos, terem afetado a performance do banco. E, com leves variações, é o que ocorre todos os dias.


Conclusão


Não deixa de ser curioso notar que quando falamos que os preços das ações no mercado financeiro estão em queda, as pessoas tendem a ficar tristes ou preocupadas, porém, demonstram bastante entusiasmo quando vão no supermercado e os preços dos produtos

estão mais baratos.


Em última análise, a queda nos preços pode significar oportunidades singulares de fazer boas compras, e enchermos nossos carrinhos, seja na bolsa, seja nos supermercados. Mas quando o assunto é a bolsa em si, com todas as alternativas e operações estruturadas possíveis, principalmente as envolvendo instrumentos derivativos, a exemplo do straddle, que é uma operação onde não importa se o mercado vai subir ou descer, mas se vai acontecer um outro no curto prazo, fica claro que o mercado pode subir, descer, ficar parado, ser volátil, girar estrela, cambalhota ou plantar bananeira, não importa, há um

maneira de estar no game, e fazer dinheiro com isso.


Mateus Davi Pinto Lucio

GR Canis Majoris

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